quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

O passado com outros olhos

   E se eu te dissesse que o passado nos afeta? Mesmo não sendo seu passado, pode ser o do seus avós. Hoje eu fui pra casa da minha vó e me surpreendi ao descobrir coisas magníficas. Minha vó tem 87 anos e devido a idade avançada ela tem osteoporose e delírios, mas devo confessar que os delírios dela me divertem. Me lembro de uma vez em que ela delirou achando que tinha um casal morando no telhado da casa dela e eles brigavam a noite toda, ela só parou com essa história quando meu tio pegou uma mangueira e jogou água no telhado e disse pra ela que eles tinham ido embora, eu quase morri de rir. É sempre bom ir pra lá, não sei quanto tempo ainda tenho com ela, mas acho que ainda vai viver um bom tempo. Ela é uma guerreira, trabalhou duro a vida inteira, a admiro muito. Hoje ela estava muito bem, apesar do pessimismo dela e do fato de que ela repetia uma frase pelo menos três vezes. Sentamos na mesa para lanchar, estava minha família, minha tia e ela. Parecia que ía ser como uma de nossas conversas de sempre, mas hoje fui surpreendida. Ela começou a falar como era a vida dela quando nova e disse que estava muito feliz por ter criado bem os filhos, apesar de ter criado eles sozinha. Então ela começou a refletir e disse que a vida dela foi difícil, e com os olhos cheio de lágrimas ela juntou as mãos em posição de oração e disse: "Deus me perdoe, mas minha vida ficou bem melhor quando eu fiquei viúva." Vê-la assim me partiu o coração. Eu não sabia muito do meu avô, eu apenas sabia que ele bebia muito e brigava direto com minha avó. Meu pai o perdeu com 11 anos e por isso não lembrava de muita coisa dele e nunca se interessou em saber, acho que é doloroso de mais pra ele. Minha vó segurou as lágrimas e começou a falar de como ele sempre fugia, ficava umas duas semanas sumido e voltava, falou de como ele era fraco, minha vó que tinha que fazer tudo. Ela dava uma longa respirada entre as frases, e falava gaguejando, enquanto ela respirava minha tia faladeira comentava. E ela falou coisas interessantes, ela começou falando de que tinha uma paixão enorme pelo pai, mesmo vendo ele tratando mal minha vó, ela disse que ele tinha um enorme coração e que todo mundo gostava dele. Ela disse que foi muito difícil pra ele abandonar sua terra e ir pra uma cidade grande com minha vó e os filhos, mas o que foi mais difícil pra ele era ver minha vó trabalhando sem parar, minha tia disse que o via ficar andando de um lado pro outro no portão aguniado esperando minha vó chegar. Ela começou a relatar do lado bom dele que ninguém nunca reconheceu, por isso ele bebia tanto, mas minha vó sempre só conseguiu olhar os defeitos dele, não a culpo. E começos a perguntar a ela quais características os meus tios puxaram do pai e ela falou que foi a humildade, a forma de como ele era relaxado e só obedecia, e o delicioso café que meu pai faz foi herdado dele. Meu pai não sabia de nada disso e nem eu. E eu fiquei muito chocada em saber desse lado do meu vô, eu só o via com olhos ruins. Mas eu saí de lá com raiva dele, se eu pudesse eu diria a ele: " Por que vô, por que? Você tinha que beber tanto assim pra afogar as mágoas e deixar minha vó fragilizada a vida toda? Eu queria tanto te conhecer, eu queria saber como você conheceu minha vó e como você se apaixonou por ela. Queria sentar no seu colo e ouvir as histórias de sua infância. Queria ver você de mãos dadas com minha vó no sofá, queria me inspirar no amor de vocês. Porque eu soube que você amava minha vó e era submisso a ela, mas a bebida estragou tudo e você morreu e deixou ela acreditando que você não a amava. A bebida acabou com você, e eu nunca pensei que pudesse querer ter você comigo, mas eu queria. Eu queria..." Estou chorando a escrever cada palavra, nunca pensei que o passado da minha vó me afetaria. Enquanto minha tia listava as qualidades dele minha vó estava viajando em seus próprios pensamentos, ela não pôde ouvir nada do que minha tia disse porque ela não ouve muito bem, mas se ela ouvisse ela com certeza iria discordar de tudo. E a conversa foi tomando outros rumos, mas eu só conseguia pensar no meu avô sentado na cadeira de balanço na varanda tomando seu café e observando a vida passar diante dos seus olhos. É incrível como um copo de cerveja pode afetar tantas pessoas. Queria que ele fosse um homem controlado. Se por um acaso você que está lendo minhas palavras bebe, te imploro que pare de beber ou apenas beba controladamente. Isso afeta toda uma geração, meu tio bebeu por muitos anos e quase destruiu sua família como legado do meu vô, minha outra tia foge dos problemas como meu avô e sofre uma tristeza imensa. Eu só queria ele saudável aqui. E depois dessa confissão eu me despeço.

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